13/07/2020

Angústia - Sonia Salim






O desamor me angustia
as incertezas roem a minha alma
como ratos em seus ninhos
fazem com os trapos
Logo agora que a esperança
surgia feito algo tangível
fui abandonado
com o coração ferido
Ah, como eu odiava!
Era uma golfada de ciúmes
que lambuzava o meu interior
ciúme da mulher, ciúme do homem
que desavergonhados se amavam
ambos descarados, felizes, com riso exposto
Prendo-me ao silêncio
Um silêncio temeroso que sufoca
e impulsiona-me para o beco da solidão
Escuro, frio, delgado, lúgubre
Assim era o meu mundo
longe daquele cruel e infiel amor
O vício me consumia lentamente
A insônia era a minha companheira, noite após noite
O livro e a imaginação eram os melhores afagos
dentro do peito lacerado pela vida
ali onde a morte faz a ronda
Nas madrugadas frias e sombrias
rompeu o fio da ilusão





....................


“Os vagabundos não tinham confiança em mim. Sentavam-se, como eu, em caixões de querosene, encostavam-se ao balcão úmido e sujo, bebiam cachaça. Mas estavam longe. As minhas palavras não tinham para eles significação. Eu queria dizer qualquer coisa, dar a entender que também era vagabundo, que tinha andado sem descanso, dormido nos bancos dos passeios, curtido fome. Não me tomariam a sério. Viam um sujeito de modos corretos, pálido, tossindo por causa da chuva que lhe havia molhado a roupa. A luz do candeeiro de petróleo oscilava no balcão gorduroso. Homens de camisa de meia exibiam músculos enormes, que me envergonhavam. Encolhia-me timidamente. Não simpatizavam comigo. Eu estava ali como um repórter, colhendo impressões. Nenhuma simpatia. A literatura nos afastou: o que sei deles foi visto nos livros.”  (Angústia - Graciliano Ramos)

....................


Nenhum comentário :

Postar um comentário

Faço a moderação dos comentários, por isso ao enviar sua mensagem, aguarde pela aprovação. Comentários ANÔNIMOS ou com links NÃO serão publicados. Lembre-se de assinar!

Grata

Sonia Salim